Jantando Com o Chico: Crônica do amor morto

Jantando Com o Chico: Crônica do amor morto

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“Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última…”
Construção, Chico Buarque.

Parecia ser mais uma novela mexicana, havia um corpo no chão, uma mulher chorando, pessoas ao redor. Parecia. Mas não era.

Era domingo. Poderia ser um domingo qualquer, no entanto não foi. Domingo era o pior dia para o Silva, bebia demasiadas doses de uísque enquanto ouvia o desalento do Chico. Grande Chico, quem dera se o Silva pudesse ser como você, saber tratar o amor de forma diferente. O Silva era um cara inseguro por demais, não confiava em ninguém, e mais: não sabia suportar o peso que uma paixão tem. Paixões são desses ventos ferozes, que vêm e que vão, e deixa teus rastros de devastação por onde quer que passe. Deixa milhares de corações arrasados.

Patrícia é dessas mulheres que ainda não se encontraram na vida, porém, com o Silva não foi diferente. Patrícia amava como o Vinícius, encontrava amor em toda esquina, e se entregava como se entregava o Vinícius.

Vinícius é Vinícius. Patrícia é Patrícia.

Silva, coitado, se virava em mil para que os dois dessem certo.

Mas, qual amor dá certo? Cá pra nós, o amor não foi feito para durar, nem o efeito do álcool dura tanto tempo. Nem a ressaca. Felizes são os bêbados, que se mantém em alto estado de embriaguez, e conseguem dormir à noite. O coração arrasado não dorme. Não prega o olho.

Silva enfrentou seu fantasma, ele mesmo. Quebrou princípios, e passou dos limites. Tentou fazê-la feliz. Mas ele sabia que ali não era cena para ele atuar.

Ricardo entra no ato, como quem não quer nada. Sorriso frouxo, travesso e conquistador. Ao vê-los – Patrícia e Ricardo – juntos, Silva decide por fim ao que existia.

A sala escura, abajur com pouca luz, e enquanto articulava a cena que veremos a seguir, tomava sua dose de uísque enquanto ouvia Chico.

Convidou Patrícia para um jantar. Preparou o seu melhor prato, pôs arsênio e a esperou chegar. Ela chega, ele abre a porta e senta-se no sofá.

Ele a chama para jantar e após as bebidas e o prato principal, eles se deitam.

Descomprometida, ela pergunta: O que há com você? Estás estranho, Silva.

Silva: Nada aconteceu.

Patrícia: Você quer terminar, é isso?

Silva: Sim, é isso.

Transtornada, ela se enche de prantos, e começa a agonizar. Silva a observa, ela está morrendo. Ele vai até a sala, põe mais uma dose de uísque e senta-se. Chico ainda canta na cena. Canta solitário, canta para ninguém.

De repente, ouve-se um grito, parece-me ter vindo do térreo.

“Ai, meu Deus! Não é possível!” – Uma voz feminina aos berros.

Grita Roberta, a única mulher em quem Silva confiou. Silva acabara de pular do 10º andar. Roberta se agarra ao corpo, em um ato de despedida, o amor pra ela também morreu. Faleceu a esperança.

Roberta já havia lutado por Silva, assim como Silva lutou por Patrícia, e Patrícia por Ricardo.

“Cozinhar é o mais privado e arriscado ato. No alimento se coloca ternura ou ódio. Na panela se verte tempero ou veneno. Cozinhar não é um serviço. Cozinhar é um modo de amar os outros.”
Mia Couto

Adeus. from Wagnerdilima on 8tracks Radio.

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Gastrônomo e estudante de Arquitetura e Urbanismo, amante dos bares e da música.